11 de setembro de 2011

Danças extremas


Texto redigido ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico

É todo um original conceito artístico que, apesar de aparentemente novo, comemora uma década já em 2012: espetáculos de Bailado coreografados sobre canções de Metal, numa salutar lógica de abolição de regras e dogmas instituídos entre formas de arte distintas mas complementares em dado contexto. A ideia institucionalizou-se definitivamente com os norte-americanos Laura Kowalewski e Andrew Carpenter (que tive oportunidade de entrevistar há alguns aos para o blogue “Metal Incandescente”), fundadores da companhia nova-iorquina Ballet Deviare em 2003.*

O projeto, sem fins lucrativos, assenta no puro amor às artes e sobrevive corajosa e nem sempre facilmente do apoio de donativos particulares, mecenato e voluntariado, tendo como objetivo primordial expandir as fronteiras do Ballet ao mesmo tempo que legitima o Metal enquanto forma criativa abrangente, passível de cruzamento com outras artes performativas.

A companhia já realizou sete produções baseando as suas coreografias em temas de bandas extremas como Opeth, My Dying Bride, Swallow the Sun, Mara's Torment, Japanische Kampfhörspiele, Celestiial ou Arsis, pertencentes aos universos musicais do Grindcore, Death ou Doom Metal. São essas produções “Lightning the Dark”, “VII (Seven)”, “Forged”, “Memento Mori”, suporte para os Opeth na Town Hall (Nova-iorque), “Sharts” (uma demonstração / clip realizada para o programa da MTV2 com o mesmo nome ) e a mais recente, “Disconsolate”, uma arrojada curta-metragem de dança experimental.

Com este projeto, Kowalewski e Carpenter (codiretores da companhia, sendo a primeira também a coreógrafa de serviço), levaram novos e atípicos públicos aos seus espetáculos. Jovens metaleiros que de outra forma nunca se interessariam por Ballet marcam presença nas atuações; amantes do Ballet atraídos pela originalidade do conceito também não faltam.

Diferentes gerações e estratos socioculturais acorrem às produções do Ballet Deviare, embora, segundo Carpenter, o público conservador seja o mais resistente, “o que se deve, sem dúvida, aos dogmas particularmente austeros e conformistas que regem o universo da dança, em especial o Ballet”. Laura Kowalewski não duvida que “os fãs de Metal são bastante recetivos ao conceito e apoiam-nos. Aliás, sem surpresa, a comunidade metálica foi, de longe, mais recetiva que a do bailado”. De qualquer forma, Kowalewski e Carpenter geraram um fenómeno, permitindo que indivíduos com gostos musicais e artísticos antagónicos partilhassem as mesmas salas de espetáculos.

O êxito da companhia deve-se não só ao arrojo e originalidade do conceito mas também ao trabalho árduo e à intransigente exigência de qualidade musical e artística. Por isso, todos os artistas Ballet Deviare possuem treino clássico. Mas será difícil coreografar espetáculos de dança sobre temas Metal? Não, segundo Kowalewski, para quem este “é um género de música que apresenta características semelhantes às da composição clássica: o fraseado, a melodia, etc.”

Contudo, não é fácil levar a palco as bandas criadoras dos temas que inspiram os responsáveis da companhia Ballet Deviare, embora a produção “Seven (VII)” haja tido a participação ao vivo de Eayal Levi, guitarrista dos Daath; e de James Malone, vocalista e guitarrista dos Arsis, que interpretaram «A Diamond for Disease» sobre uma gravação de bateria.

Em Portugal, também os inevitáveis Moonspell, nas pessoas de Fernando Ribeiro e Pedro paixão criaram música para um projeto análogo, intitulado “Quase”, coreografado por Rui Lopes Graça e estreado pelo Ballet Gulbenkian em janeiro de 2005. Lopes Graça já havia trabalhado com Ribeiro na peça “Antídoto” (derivada do álbum “Antidote, dos Moonspell, e do livro “Antídoto”, de José Luís Peixoto, que acompanhou o disco).

Nenhuma destas produções, baseadas no mais puro profissionalismo, se relaciona com as coreografias azeiteiras e ridículas na sua originalidade forçada e descontextualizada com que algumas bandas de Black / Gothic Metal (principalmente mas não só) resolveram brindar o público a partir do final da primeira metade dos anos 90, apresentando uma ou duas bailarinas em palco, cujas coreografias absurdas destoavam completamente da música, gerando resultados de um mau gosto inenarrável. E se o faziam meramente para atrair mais público ansioso por ver as meninas a abanarem-se, duvido muito que hajam alcançado o objetivo. Custa-me a crer que houvesse fãs suficientemente influenciáveis ao ponto de comprar ingressos para ver as bailarinas e não os grupos.

Já nos anos 00 houve mesmo quem levasse o mau gosto ao extremo, recorrendo a freakshows de bailarinas que, na sua obesidade mórbida, exibiam as mamas descaídas num espetáculo para-grotesco. Mesmo os Destruction, no Wacken 2007, recorreram aos serviços de duas cheerleaders que pretensamente animavam as hostes enquanto o grupo debitava o seu poderoso Thrash. Era mesmo necessário?

Numa linha distinta mas igualmente original, os californianos Flametal, fundados pelo guitarrista Benjamin Woods, praticam uma irresistível fusão de Metal com Flamenco nos dois álbuns já publicados, The Elder e Heavy Mellows. Também entrevistado por mim há alguns anos no âmbito do blogue “Metal Incandescente”, o grupo afirma que mais do que tocar Metal esforça-se por “entreter o público. O Flamenco é mais do que apenas música, é arte, daí a nossa paixão pelo género. As histórias de terror que envolvem a nossa música podem ser retratadas através da dança, sedutora e obscura (…). O que fazemos em palco não é uma peça de teatro ou uma ópera, é um espetáculo de Metal mais extravagente do que é hábito.”

Segundo Woods, “as reações têm sido incrivelmente positivas, na sua esmagadora maioria. Alguns fãs nossos nunca haviam sido expostos ao Metal ou ao Flamenco, portanto alargaram os horizontes. No entanto, recebemos alguns comentários negativos, do género "dança no Metal não lembra a ninguém. Hilariante, não é?”. Com efeito, haverá sempre gente cujos horizontes limitados lhes impossibilitam a descoberta e o usufruto de novas e aprazíveis formas de arte. Mas que essas formas e respetivos criadores / intérpretes se baseiem exclusivamente na pertinência das mesmas para as tornar reais, impregnando-as de um intransigente profissionalismo. De outra forma não valerão a pena, tornando-se peças banais, vazias, brejeiras, sem requinte, à semelhança de alguns exemplos enunciados neste texto. Raramente o caminho mais fácil é o melhor.

Dico

* Já entre 15 de fevereiro e 1 de março do ano anterior 30 bailarinos da Swedish Royal Ballet haviam acompanhado os Entombed na terceira e última parte de cada uma das oito representações do espetáculo “Unreal Estate” no Royal Opera Hall, em Estocolmo, na Suécia, para o qual a banda compôs 45 minutos de música exclusiva. Gravações desses espetáculos resultaram no álbum ao vivo Unreal Estate. No entanto, a verdadeira estreia do espetáculo, coreografado por Bogdan Szyber e Carina Reich, aconteceu a 14 de fevereiro de 2002 no evento de atribuição dos Grammys suecos, com transmissão em direto pela cadeia televisiva local TV4.

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