Dico |
Na
sua natural subjetividade e senso comum, os ditados populares
comprovam facilmente a sabedoria do povo. “Não há fome que não
dê em fartura” é a máxima que melhor se aplica ao tema do
presente artigo. Durante anos a apatia e o marasmo fizeram sentir-se
no meio musical português quanto à realização de documentários
sobre a música produzida entre portas. Felizmente, quase de um dia
para o outro, ao longo deste ano, alguns insatisfeitos deitaram mãos
à obra, resultando na estreia de dois documentários independentes
num espaço de escassas semanas. Um terceiro encontra-se em produção.
A
primeira estreia nacional aconteceu a 16 de outubro no Teatro do
Bairro, no Bairro Alto, em Lisboa, e referiu-se ao documentário Meio Metro de Pedra,
produzido e realizado por Eduardo Morais. A obra – que partilha o
nome com um programa radiofónico animado pelo cineasta - documenta
pela primeira vez “a
história da contracultura do rock’n'roll nacional
desde o seu surgimento no fim da década de 50 até aos nossos dias”,
refere na sinopse. “Na década de 60, inspirados por bandas como os
Shadows, Bill Haley ou os Beatles, cerca de 3000 conjuntos de norte a
sul de um país sob a alçada de Oliveira Salazar abalaram as
editoras inconscientes deste som emergente. Um impulso de espírito
ousado que percorreu o psicadelismo dos Jets, o punk dos Aqui D’el
Rock, e se estabeleceu em pontos nevrálgicos como Braga, Coimbra ou
Barreiro.”
Na
obra participam Francisco Dias, vocalista dos Dawnrider e Subcaos,
responsável da Blood & Iron Records; e Filipe Mendes,
ex-guitarrista dos Psico e Heavy Band, entre outras figuras míticas
do Rock nacional. O cartaz das próximas exibições pode ser
consultado em http://docmeiometrodepedra.blogspot.com/ (em janeiro de 2012 deverá ocorrer uma nova apresentação na
capital, ainda não disponível neste cartaz).
Por
outro lado, a estreia nacional do documentário Setúbal tem alma musical - Um retrato sobre a música undergound em Setúbal aconteceu
a 26 de outubro no Clube de Cinema de Setúbal, inserida no mês
dedicado à Música. Realizado por João Miguel Fernandes, a obra
pretende mostrar que “Setúbal
é uma das cidades mais importantes a nível nacional no panorama da
música underground”. O filme centra-se no percurso das bandas
sadinas Blame the Skies, Hills Have Eyes, The Coups e Lydias’s
Sleep, inserindo-se as duas primeiras nas sonoridades pesadas. O
trailer
pode ser visionado em http://www.youtube.com/watch?v=OuMMybLqtBA
(na coluna lateral direita do Youtube o utilizador encontra ainda um
teaser
de cada banda).
Finalmente,
para o início de 2012 aguarda-se a estreia do documentário Lions
Unleashed – The Movie,
que retrata a Lions Unleashed Tour,
digressão na qual participaram os nacionais Switchtense, For the
Glory, Seven Stitches e Grankapo. Citado por Nuno Costa no site
“SounD(/)ZonE” o realizador, Miguel Miranda, afirma que o
‘“objetivo comum” é a “promoção do metal português, dado
que “numa altura de crise mundial e falta de oportunidades (…)
são os metaleiros que puxam dos galões e metem mãos à
obra.”’Miranda já havia realizado, entre outros, os videoclips
de «Unbreakable» e «Into the World of Chaos», dos Switchtense.
Estes
documentários vêm igualmente desmentir os intelectualóides que
diziam não haver mercado nem dimensão quantitativa e qualitativa do
Underground nacional que justificasse a realização de trabalhos do
género. Eles aí estão e justificam-se! Desejam um copinho de água
para vos ajudar a engolir os sapos?
Um
histórico muito pobre
Profissionalmente,
e no que respeita a trabalhos audiovisuais acerca do Underground
luso, apenas existiam reportagens-documentário transmitidas nos
canais nacionais. Maioritariamente sensacionalistas e tendenciosas,
abordavam o tema de forma negativa, visando meramente denegrir o
estilo e os fãs. Passaram na SIC e na TVI (ver “Sons do Extremo”,
“666, Diabo à Solta” ou “Black Metal”.
Inversamente, a RTP e a SIC Radical realizaram trabalhos válidos,
sérios e fundamentados, que beneficiaram a cena, dela transmitindo
uma imagem realista sem ocultar factos (ver, por exemplo,
http://www.youtube.com/watch?v=44jSsLK11Sk&feature=related).
À
parte as reportagens-documentário suprarreferidas, até agora nada
mais existia em Portugal do que meia-dúzia de peças experimentais,
curtas-metragens amadoras realizadas no âmbito de trabalhos
académicos. Aliás, já noutras ocasiões eu havia expressado a
minha estupefação pela total ausência de espírito de iniciativa
dos agentes nacionais quanto à realização deste género de
trabalhos. É pois com inusitada alegria que assisto, finalmente, à
evolução do formato documentário centrado no Underground nacional.
Alcançou-se desta forma um novo patamar evolutivo, profissional e de
ambição.
Os
ideólogos de Meio
Metro de Pedra,
Setúbal
tem alma musical - Um retrato sobre a música undergound em Setúbal
e
Lions
Unleashed – The Movie
reúnem todas as características de que este formato carecia para
fazer evoluir o nosso Underground numa aceção puramente documental:
são altamente qualificados e experientes, apresentando uma sólida
formação académica e profissional na área do audiovisual.
É
nestas pessoas, bem preparadas, que os agentes do Som Eterno
português depositam a maior esperança tendo em perspetiva uma
divulgação mais ampla e eficaz do Metal luso no estrangeiro. Que
sejam muito bem-vindos. Desejo-lhes a melhor sorte e que muitos
outros sigam os vosos louváveis exemplos.
Dico
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