8 de novembro de 2011

O formato documentário chega ao Underground nacional


Dico

Na sua natural subjetividade e senso comum, os ditados populares comprovam facilmente a sabedoria do povo. “Não há fome que não dê em fartura” é a máxima que melhor se aplica ao tema do presente artigo. Durante anos a apatia e o marasmo fizeram sentir-se no meio musical português quanto à realização de documentários sobre a música produzida entre portas. Felizmente, quase de um dia para o outro, ao longo deste ano, alguns insatisfeitos deitaram mãos à obra, resultando na estreia de dois documentários independentes num espaço de escassas semanas. Um terceiro encontra-se em produção.

A primeira estreia nacional aconteceu a 16 de outubro no Teatro do Bairro, no Bairro Alto, em Lisboa, e referiu-se ao documentário Meio Metro de Pedra, produzido e realizado por Eduardo Morais. A obra – que partilha o nome com um programa radiofónico animado pelo cineasta - documenta pela primeira vez “a história da contracultura do rock’n'roll nacional desde o seu surgimento no fim da década de 50 até aos nossos dias”, refere na sinopse. “Na década de 60, inspirados por bandas como os Shadows, Bill Haley ou os Beatles, cerca de 3000 conjuntos de norte a sul de um país sob a alçada de Oliveira Salazar abalaram as editoras inconscientes deste som emergente. Um impulso de espírito ousado que percorreu o psicadelismo dos Jets, o punk dos Aqui D’el Rock, e se estabeleceu em pontos nevrálgicos como Braga, Coimbra ou Barreiro.”

Na obra participam Francisco Dias, vocalista dos Dawnrider e Subcaos, responsável da Blood & Iron Records; e Filipe Mendes, ex-guitarrista dos Psico e Heavy Band, entre outras figuras míticas do Rock nacional. O cartaz das próximas exibições pode ser consultado em http://docmeiometrodepedra.blogspot.com/ (em janeiro de 2012 deverá ocorrer uma nova apresentação na capital, ainda não disponível neste cartaz).

Por outro lado, a estreia nacional do documentário Setúbal tem alma musical - Um retrato sobre a música undergound em Setúbal aconteceu a 26 de outubro no Clube de Cinema de Setúbal, inserida no mês dedicado à Música. Realizado por João Miguel Fernandes, a obra pretende mostrar que “Setúbal é uma das cidades mais importantes a nível nacional no panorama da música underground”. O filme centra-se no percurso das bandas sadinas Blame the Skies, Hills Have Eyes, The Coups e Lydias’s Sleep, inserindo-se as duas primeiras nas sonoridades pesadas. O trailer pode ser visionado em http://www.youtube.com/watch?v=OuMMybLqtBA (na coluna lateral direita do Youtube o utilizador encontra ainda um teaser de cada banda).

Finalmente, para o início de 2012 aguarda-se a estreia do documentário Lions Unleashed – The Movie, que retrata a Lions Unleashed Tour, digressão na qual participaram os nacionais Switchtense, For the Glory, Seven Stitches e Grankapo. Citado por Nuno Costa no site “SounD(/)ZonE” o realizador, Miguel Miranda, afirma que o ‘“objetivo comum” é a “promoção do metal português, dado que “numa altura de crise mundial e falta de oportunidades (…) são os metaleiros que puxam dos galões e metem mãos à obra.”’Miranda já havia realizado, entre outros, os videoclips de «Unbreakable» e «Into the World of Chaos», dos Switchtense.

Estes documentários vêm igualmente desmentir os intelectualóides que diziam não haver mercado nem dimensão quantitativa e qualitativa do Underground nacional que justificasse a realização de trabalhos do género. Eles aí estão e justificam-se! Desejam um copinho de água para vos ajudar a engolir os sapos?

Um histórico muito pobre

Profissionalmente, e no que respeita a trabalhos audiovisuais acerca do Underground luso, apenas existiam reportagens-documentário transmitidas nos canais nacionais. Maioritariamente sensacionalistas e tendenciosas, abordavam o tema de forma negativa, visando meramente denegrir o estilo e os fãs. Passaram na SIC e na TVI (ver “Sons do Extremo, “666, Diabo à Solta ou “Black Metal. Inversamente, a RTP e a SIC Radical realizaram trabalhos válidos, sérios e fundamentados, que beneficiaram a cena, dela transmitindo uma imagem realista sem ocultar factos (ver, por exemplo, http://www.youtube.com/watch?v=44jSsLK11Sk&feature=related).

À parte as reportagens-documentário suprarreferidas, até agora nada mais existia em Portugal do que meia-dúzia de peças experimentais, curtas-metragens amadoras realizadas no âmbito de trabalhos académicos. Aliás, já noutras ocasiões eu havia expressado a minha estupefação pela total ausência de espírito de iniciativa dos agentes nacionais quanto à realização deste género de trabalhos. É pois com inusitada alegria que assisto, finalmente, à evolução do formato documentário centrado no Underground nacional. Alcançou-se desta forma um novo patamar evolutivo, profissional e de ambição.
Os ideólogos de Meio Metro de Pedra, Setúbal tem alma musical - Um retrato sobre a música undergound em Setúbal e Lions Unleashed – The Movie reúnem todas as características de que este formato carecia para fazer evoluir o nosso Underground numa aceção puramente documental: são altamente qualificados e experientes, apresentando uma sólida formação académica e profissional na área do audiovisual.

É nestas pessoas, bem preparadas, que os agentes do Som Eterno português depositam a maior esperança tendo em perspetiva uma divulgação mais ampla e eficaz do Metal luso no estrangeiro. Que sejam muito bem-vindos. Desejo-lhes a melhor sorte e que muitos outros sigam os vosos louváveis exemplos.

Dico

0 comentários:

Enviar um comentário